Abrir mão dos nossos desejos e a culpa
Por mais que possa parecer um jargão de autoajuda, "sustentar os desejos" não é fácil, na verdade é uma tarefa árdua. A dificuldade já começa em não termos a mínima ideia do que desejamos, mesmo quando achamos que sabemos.
O desejo está entre a necessidade e a demanda. Não é exatamente o que necessitamos, e também não é exatamente o que demandamos do outro.
Além disso, desejar e querer não são sinônimos, iguais. Na maioria das vezes são opostos: não quero o que desejo, não desejo o que quero. Talvez o querer esteja mais no campo do gozo.
E desejo não é gozo. O desejo movimenta e o gozo paralisa. O desejo implica mobilidade e o gozo prende. O desejo é subversivo e angustiante por seu caráter estranho; o gozo é um velho "conhecido" (e mesmo assim, tão desconhecido), a quem recorremos para trazer uma satisfação imediata.
O Lacan foi enfático ao perguntar, provocativamente: você abriu mão do seu desejo? E foi assertivo quando disse que, pelo menos da perspectiva analítica, a única coisa que promove a culpa é abrir mão do seu desejo.
Quando ignoramos, ou negamos, ou rechaçamos nossos desejos, eles se voltam como culpa. Não é à toa que a ética da psicanálise é o próprio desejo, ao menos lacaniana.
Como não seria, se desejar é o único caminho para além do gozo, para além das miragens do narcisismo do eu, para suportar o deserto do real, para coexistir em alteridade com o outro no amor?
Morgana M Medeiros
CRP 06/140543