O sujeito alcança a verdade que suporta atingir

Esse pensamento lacaniano é bem famosinho, popularizado, e às vezes descontextualizado. Foi retirado do início do seu ensino, lá em 1953, momento da primeira clínica lacaniana. Mais especificamente desse trecho:

"O sujeito vai muito além do que o indivíduo experimenta subjetivamente: vai exatamente tão longe quanto a verdade que ele pode atingir. (...) Sim, essa verdade de sua história não está toda em seu desenrolar, mas o lugar se marca aí, nos choques dolorosos que ele experimenta por conhecer apenas suas réplicas".

E é importante deixar claro de que verdade estamos falando. Porque muito facilmente pode-se cair numa ilusão de que falamos de verdades absolutas, inteiras e não se trata disso. Lacan se refere especificamente à verdade do sujeito, especificamente sobre o seu desejo.

A verdade, em nós humanos, tem o caráter de uma ficção, uma estória. A verdade é narrada de acordo com a singularidade de cada um, com as palavras que cada um escolheu, colocando em lugares específicos e particulares, de acordo com suas experiências e afetos; ao mesmo tempo em que responde a um sistema estrutural linguístico.

Muitas e muitas vezes ficamos presos em verdades-ficções muito duras e rígidas de nós mesmos. Repetimos frases e palavras que nos definem, que descrevem situações, carregadas de afetos fixados - e toda essa repetição tende a gerar muito sofrimento e sintoma.

Mas não podemos ignorar a última parte do pensamento "o sujeito alcança a verdade que suporta atingir", que é a ideia de suportar alcançar. Isso tem a ver com o caráter semi (não total) das verdades, que têm estruturas de semi-dizer, e portanto, como significantes, tem capacidade de expandir, ampliar, modificar.

Por isso, sim, essas ficções que criamos de nós mesmos, se alteram. Essa alterabilidade depende do quanto se suporta alcançar. Do quanto se sustenta responsabilizar-se.

Do quanto se reconhece uma implicação - que é incômoda, mas ao menos é produtiva - da própria história.

O sujeito vai muito além do que suas miragens sobre si.

Morgana M Medeiros
CRP 06/140543